A um suicida




Tu crias em ti mesmo e eras corajoso,

Tu tinhas idéias e tinhas confiança.
Oh! , quantas vezes desesp'rançoso,
Não invejei a tua esp'rança!

Dizia para mim: - Aquele há-de vencer
Aquele há-de colar a boca sequiosa
Nuns lábios cor de rosa
Que eu nunca beijarei, que me farão morrer...

A nossa amante era a Glória
Que para ti - era a vitória,
E para mim - asas partidas.
Tinhas esp'ranças, ambições...
As minhas pobres ilusões,
Essas estavam já perdidas...

Imersa no azul dos campos siderais
Sorria para ti a grande encantadora,
A grande caprichosa, a grande amante loura
Em quem tínhamos posto os nossos ideais.

Robusto caminheiro e forte lutador
Havias de chegar ao fim da longa estrada
De corpo avigorado e de alma avigorada
Pelo triunfo e pelo amor.

Amor! Quem tem vinte anos
Há-de por força amar.
Na idade dos enganos
Quem se não há-de enganar?

Enquanto tu vencerias
Na luta heróica da vida
E, sereno, esperarias
Dos bem-fadados da Glória,
Dos eternos vencedores
Que revivem na memória -
Sem triunfos, sem amores,
Eu teria adormecido
Espojado no caminho,
Preguiçoso, entorpecido,
Cheio de raiva, daninho...

Recordo com saudade as horas que passava
Quando ia a tua casa e tu, muito animado,
Me lias um trabalho há pouco terminado,
Na salazinha verde em que tão bem se estava.

Dizíamos ali sinceramente
As nossas ambições, os nossos ideais:
Um livro impresso, um drama em cena, o nome dos jornais...
Dizíamos tudo isso amigo, seriamente...

Ao pé de ti, voltava-me a coragem:
Queria a Glória... Ia partir!
Ia lançar-me na voragem!
Ia vencer ou sucumbir!...

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Ai! mas um dia, tu, o grande corajoso,
Também desfaleceste.
Não te despojaste, não. Tu eras mais brioso:
Tu, morreste.

Foste vencido? Não sei.
Morrer não é ser vencido,
Nem é tão-pouco vencer.

Eu por mim, continuei
Espojado, adomercido,
A existir sem viver.

Foi triste, muito triste, amigo, a tua sorte -
Mais triste do que a minha e malaventurada.
... Mas tu inda alcançaste alguma coisa: a morte
E há tantos como eu que não alcançam nada...


Mário de Sá Carneiro, Lisboa, Outubro de 1911.


by Lord Darkcell Saint James
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